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De “Todos os Dias”

Quando eu era criança — há tantos, tantos anos — todos dormíamos em colchões de palha nesta casa. Depois cresci, depois morreu quem tinha de morrer, depois casei-me, depois a casa cresceu connosco e com os moços.
E depois os colchões foram sendo substituídos por novos. Cada cinco anos havia um colchão que se comprava, um colchão de palha que desaparecia. Até que só ficou uma cama como recordação dos tempos que foram. E foi a da mãe, claro. Porque ela era a mais antiga e sempre disse
— Eu nunca hei-de dormir em colchões onde não posso sentir a palha tocar-me no corpo.
e não dormiu. Não dormiu porque quando trocou de quarto senti-lhe eu que o sono já era outro. Já era um sono com a morte perto, sem a serenidade de quem dorme. Já era um sono distante.
Por isso, quando entro na salinha e vejo a secretária, sei que entro onde morreu a minha mãe. Não se morre onde o corpo se entrega. Morre-se onde se entrega a alma, e a minha mãe morreu no dia em que mudou de quarto e deixou o colchão de palha.