Terra

Torcato Sepulveda, Revista NS, Diário de Noticias, 2007

Bichos da terra
    Dizia-se dá muitos anos que os escritores portugueses estavam talhados – por más razões, por falta de fôlego – para o conto. Depois, exceptuando o gosto de Luísa Costa Gomes, o conto parece ter entrado em decadência. Decadência relativa, ainda assim, como o demonstra este voluminho, “Terra”, de Jorge Reis-Sá (n. em 1977, em Vila Nova de Famalicão). Reis-Sá é, além de poeta (‘Biologia do Homem’, ed. Quasi, e ‘Livro de Estimação’, ed. Quasi), e de romancista (Todos os Dias’, ed. Dom Quixote), animador cultural: é responsável pela editora Quasi e pela empresa Do Impensável – Projecto de Atitudes Culturais.
    Em ‘Terra’, encontramos um conjunto de histórias que compõem um mapa de sentimentos agarrados à vida, isto é, à terra, à água, ao fogo. Os títulos dos contos vão sinalizando a deriva de homens e mulheres perdidos, bichos da terra, tão pequenos. Em ‘Sal’, por exemplo, o equívoco da não relação entre um casal de turistas portugueses em Cabo Verde e um taxista cabo-verdiano que apascentava as suas limitadas curiosidades, levou ao internamento psiquiátrico do motorista, convencido de que os forasteiros o estavam a tratar como escravo. Os portugueses, medianos, eram de facto paternalistas, mas discretos, enterrando o racismo latente sob o peso da laje do politicamente correcto. “As minhas roupas castanhas – o negro é cor de luto e eu nunca perdi ninguém porque nunca ninguém me encontrou – são da cor da terra, e eu olho-as em mim como uma esperança”, pensa o narrador de Toda a Terra’, caçador de desafios. Um discurso interior que dá a medida da desolação.
    Neste universo, toda a gente está só na sua miséria: casais que mal se falam, velhos solitários, operários desgraçados que querem, por orgulho, que um dia os filhos sejam tão desgraçados como eles, intelectuais falhados e ignorados pelos seus compatriotas. Poderia ser um país qualquer, mas é Portugal no seu pior, um país abandonado pelos deuses e desprezado pelos homens. Em ‘Arde’, o fogo varre as bouças e as casas: “O mundo está seco. As árvores que resistiram ao fogo morreram e eu só vejo cadáveres nos meus olhos.” Várias vozes suspiram: “Vou morrer.” É uma desolada paisagem natural e humana, um país de suicidas, como escrevia Unamuno.
    Um pequeno-grande livro de contos.

Susana Nogueira, Revista Os Meus Livros, 2007

Viagem por terra
    Esta obra é a reunião de várias formas possíveis de se percepcionar “terra”, derivando numa viagem por mundos paralelos, através de pequenas histórias: a benção obtida nas profundezas de uma mina; como se vê a terra que é dos outros; a menina que guarda nomes num vaso; alguém que tem como ”’desafio’ salvar toda a Terra; a água desdobrada em sonho escorregadio; a terra como constrangimento social. E como destino final.
    Os que leram “‘Todos os Dias”, primeiro romance do autor, vão poder aqui identificar aquela mesma densidade de existência das personagens, a par da leveza trazida pela familiaridade de todos os seus gestos. Oito contos resultantes da fusão perfeita entre prosa e poesia. Ou será poesia e prosa.